As marcas que tomam partido

O que eu vou ler aqui?

Uma sociedade de consumo mais crítica tem inclinado as marcas a declarar seus posicionamentos diante de questões sociais. Entenda os prós e os contras disso.

Por que é importante?

Na corrida pela relevância na mente das pessoas, as grandes marcas já se posicionam diante de questões sociais, tentando responder a uma tendência que cresce cada vez mais rápido. Entenda, aqui, a ambivalência por trás desse cenário: por que posicionar-se pode ser bom e ruim ao mesmo tempo?

 

Pessoas nutrem expectativas em relação aos posicionamentos de uma marca. Essa tendência é impulsionada pela Geração Z, e demonstra um efeito disciplinador. Um estudo da McKinsey com a Box1824 mostrou que 70% dos consumidores da classe A buscam e estão dispostos a pagar mais por marcas que defendem o que eles acreditam – e os números das classes B e C não ficam muito para trás (64% e 58%, respectivamente).

Não por acaso, grandes marcas ao redor do mundo, como Nike e Gillette, começam a se movimentar com iniciativas apoiadas em movimentos populares. Mas, é preciso estar atento. Entenda:

Cada caso é um caso

Em 2018, a Nike lançou a campanha Dream Crazy e trouxe como protagonista de seu comercial mais importante o jogador de futebol americano Colin Kaepernick. Ele não foi escolhido aleatoriamente. Emblemático por ter liderado uma série de manifestações contra a injustiça racial nos Estados Unidos, Kaepernick acabou sofrendo rejeição dos times da liga de seu país, ficando sem contrato.

Assim, a Nike construiu uma narrativa de superação que, associada ao discurso “Acredite em algo. Mesmo que isso signifique sacrificar tudo”, situou a marca em um debate específico, ao mesmo tempo que reforçou o seu posicionamento.

Um ano depois, em 2019, na mesma linha, a Gillette lançou o filme The Best Men Can Be. Nele, a marca aborda o que define como masculinidade tóxica, tocando em temas como sexismo, bullying e assédio. A campanha veio acompanhada de um programa de doações para órgãos que trabalham com a conscientização de homens, ajudando-os a alcançar uma masculinidade sadia.

Ambas as marcas se apoiam em causas de enorme penetração e debate social. Naturalmente, essas campanhas tiveram uma repercussão polêmica. Entre críticas e elogios, o fator básico e fundamental que as diferencia é o público.

Enquanto a Nike conta com o apoio de uma base de consumidores mais jovem e moderna, a Gillette precisa lidar com as convicções de um público mais conservador: homens brancos e maduros.

Resultado, apesar das polêmicas, a Nike colheu excelentes frutos. A marca teve um aumento de 31% nas vendas e suas ações valorizaram, rendendo 6 bilhões de dólares em valor de mercado logo após a campanha Dream Crazy. Já a campanha da Gillette enfrentou uma ameaça de boicote, além das críticas que acabaram abafando os elogios da ala feminina.

O posicionamento de valor está longe de ser uma questão de certo ou errado, mas, sim, de objetivo. Enquanto a ação da Nike coloca a marca em simetria com o público consumidor no âmbito dos valores sociais, a campanha da Gillette parece querer questionar a sua própria audiência, mirando sua reciclagem.

Segundo Marco Cappanari, da FutureBrand São Paulo, “The Best Men Can Be, propositadamente ou não, vai acabar representando um momento de transição do público-alvo da Gilette. Combater a masculinidade tóxica é uma atitude valorizada pelas novas gerações, o que faz do comercial uma excelente oportunidade para iniciar uma penetração no público mais jovem”.

A era do value-based positioning

Analisando essas duas situações, observamos uma quase imperceptível ambivalência. Expressar valores por meio de movimentos sociais é positivo, mas também pode ser delicado e até limitador. Falar sobre temas polêmicos presume polarizar o público. E é preciso assumir isso até as últimas consequências.

Isso significa que, mesmo com uma estratégia bem amarrada, uma campanha institucional dessa natureza pode ter um custo alto e trazer, por exemplo, restrições por parte do público da marca.

Por isso, resumimos, aqui, 5 dicas preciosas para campanhas institucionais mais seguras. Confira!

1. Questione a autoridade da sua marca.

Avalie a credibilidade e a aderência da sua marca e do seu setor com o assunto sobre o qual deseja expressar uma opinião. Um dos grandes desafios é conseguir uma perfeita amarração com o core business da marca e conferir uma autenticidade à prova de julgamentos.

2. Prepare-se para as críticas. Elas vão vir.

É muito importante considerar a grande repercussão na esfera digital à qual toda e qualquer declaração está sujeita. Boa parte dos debates em torno de questões sociais acontecem em ambientes online, nos quais todo mundo tem voz – o que gera um imenso barulho. Críticas são naturais e elas vão vir.

3. Mantenha-se firme.

Uma recepção negativa serve, também, para testar o nível de firmeza das posições da marca. Sendo assim, tenha em mente que voltar atrás evidencia a gratuidade do que se fala e tem um efeito para lá de depreciativo.

4. Olhe para dentro e cuidado com o telhado de vidro.

Como está o seu setor de Recursos Humanos? Como estão os processos internos da sua marca? Como tem sido a comunicação dela nos últimos anos? Refletir sobre questões como essas pode prevenir muitos deslizes.

5. Fuja dos modismos.

Aqui, é o ponto focal no qual todas as dicas anteriores se encontram. Avalie todos os fatores e, principalmente, a pertinência de qualquer ação para não cair na armadilha do efeito manada. Confronte os valores do público com a provável recepção da sua audiência e evite dores de cabeça desnecessárias.

Além disso, considere também que, ao mesmo tempo que atitudes afirmativas podem gerar um impacto positivo na sociedade, tal como ela se desenha hoje, essas mesmas atitudes podem revelar fragilidades, colocando a marca, automaticamente, na reta dos julgamentos . Por isso, pergunte-se: será que a cultura interna da minha marca corresponde ao que ela diz (ou pretende dizer)?

Em caso de respostas evasivas, com pouca ou nenhuma exatidão, prefira não se aventurar. Até porque, declarar um posicionamento social pode ser bom, mas é melhor fazê-lo com certeza.

 

Artigo adaptado de Gillette, Nike e a Value-Based Positioning, Marco Cappanari

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