SXSW | A moda da sustentabilidade X A sustentabilidade da moda

O que você vai ler aqui?

Um resumo sobre o que acontece de verdade, longe dos nossos olhos, em uma das indústrias mais fascinantes, mas também uma das mais nocivas ao meio ambiente. Além disso, o texto fala sobre iniciativas de grandes grupos para mudar a situação.

Por que é importante?

Imagine que ironia seria o mercado da moda ficar antiquado. O debate levado ao SXSW 2019 é importante porque aponta sinais de renovação do mercado que vão favorecer, em pouco tempo, o surgimento de um modelo de consumo mais adequado às demandas ambientais da nossa época.

Você já parou para pensar em como suas roupas são feitas? Ou melhor: o que é feito delas quando você as descarta? Bom, as respostas são, no mínimo, desconcertantes e fazem a gente repensar os nossos hábitos de consumo.

Filippo Vidal, líder de equipe na FutureBrand, fala sobre a dura realidade da indústria da moda, exposta no SXSW 2019, e sobre as iniciativas que estão protagonizando a renovação de um dos mais ricos mercados globais.

Beleza não põe mesa

Uma indústria que faz ode à beleza esconde, na verdade, uma face pouquíssimo atraente. As estatísticas mostram dados alarmantes. Um caminhão de lixo de têxteis é desperdiçado a cada segundo, enquanto a superprodução de moda despeja 92 milhões de toneladas de resíduos sólidos em aterros a cada ano.

Além disso, a indústria da moda é a segunda maior consumidora de água, produzindo 20% das águas residuais. Com isso, acaba gerando mais emissões de gases de efeito estufa do que todos os voos internacionais combinados.

Materiais populares na confecção de roupas, sapatos e acessórios, como o nylon e o poliéster, promovem um impacto ambiental de dar arrepios. O processo de lavagem desses tecidos libera microfibras que passam facilmente por estações de tratamento de esgoto. Como não são biodegradáveis, essas microfibras chegam aos oceanos aumentando os níveis de plástico, ameaçando a vida aquática e comprometendo, até mesmo, a nossa saúde, já que isso afeta toda a cadeia alimentar. Cerca de 100.000 animais marinhos morrem, a cada ano, vitimizados pela poluição sintética. Qualquer um de nós pode concordar que são fatos assustadores!

Fast fashion. O barato que sai caro

O imediatismo alcançou a moda e, ao mesmo tempo que tornou o estilo democrático, também fez desse mercado um dos grandes responsáveis pela situação espantosa que estamos vivendo.

Trata-se de uma indústria cuja moda baseia-se na matriz “rapidez e baixo custo”, com o intuito de oferecer sempre coleções novas inspiradas em looks de passarelas e em estilos de celebridades. Em termos ecológicos, o resultado dessa combinação é o mais antiquado e terrível possível, já que negligencia qualquer tipo de cuidado com o meio ambiente.

Cores vibrantes, estampas e acabamentos são características atraentes, mas muitas delas são alcançadas com produtos químicos bastante tóxicos. Basta pensar que o tingimento têxtil é o segundo maior poluidor de água limpa do mundo, seguido da agricultura.

A isso, junta-se também um fato curioso. Estamos comprando mais roupas e usando menos. Só na Europa, entre 2000 e 2011, o número médio de coleções de roupas mais do que dobrou. Ou seja, nosso consumo de fast fashion se tornou bastante caro e, de certa forma, inútil. A moda é mais que comprar. É acumular.

Dados do jornal inglês The Independent mostram que mais de 500 bilhões de dólares são perdidos, a cada ano, por causa das roupas subutilizadas e da falta de reciclagem. Com um nível de produção tão alto, há descartes imensos e, muitas vezes, inapropriados, o que compromete, em muitos anos, a natureza, a biodiversidade e a saúde.

Estamos na época do uso e não da posse

Embora essa afirmação não traduza os nossos hábitos de consumo atualmente, ela nos desperta para a direção em que as coisas precisam caminhar, caso a humanidade queira perpetuar a vida neste planeta.

Nesse sentido, a tendência da economia sem desperdício deve ser aplicada o quanto antes, com ações imediatas, de médio e longo prazo, em cada estágio da cadeia de fornecimento, a começar pelo fornecimento sustentável de tecidos e, com a implementação de possíveis alternativas à distribuição, à recuperação e reciclagem de roupas.

No caso da fast fashion, a obsolescência programada precisa ser substituída por uma lógica que esteja compatível com os compromissos ambientais e sociais que o momento do mundo requer. E isso é U-R-G-E-N-T-E!

Não é mais razoável comprar um produto a um preço atrativo, de qualidade duvidosa, projetado para ser descartável em pouco tempo, que, quase sempre, utiliza mão de obra barata de países subdesenvolvidos.

É necessário exigir transparência e, ao mesmo tempo, refletir sobre o custo ambiental que uma única peça simboliza. É preciso consumir de forma consciente e responsável, lendo etiquetas e rótulos antes de comprar, certificando-nos do uso de fibras naturais e orgânicas, corantes não tóxicos, programas de devolução e de produção ética.

A causa ambiental é o novo luxo

Enquanto a engenharia do consumo nos impele a uma rotina de compras acelerada, porque estamos sempre ávidos pelas novidades, a economia circular se apresenta com um raciocínio diametralmente oposto, buscando a harmonização entre economia global e consumo ecologicamente responsável.

Filippo Vidal conta que, durante a visita que fez ao SXSW 2019, teve a oportunidade de presenciar um painel, no qual executivos de grandes marcas como Levi Strauss e H&M se reuniram para falar sobre um assunto mais importante que uma tendência de moda. Estavam ali, no SXSW Conference, para compartilhar suas visões e ideias sobre o fortalecimento de iniciativas de sustentabilidade, tangíveis e mensuráveis, que vão da produção ao consumo.

Isso mostra que existe um grande movimento, nada superficial, liderado por grandes empresas para mudar esse cenário. Nesse sentido, surpreendeu bastante a postura de Laura Coppen da H&M, que demonstrou um comprometimento autêntico sobre a causa.

Segundo Laura, transparência é fundamental. Ela conta que, embora a H&M não fale muito sobre sustentabilidade atualmente, a marca passa por um momento de reestruturação de seus processos e, para isso, definiram objetivos concretos. Até 2024, a H&M (incluindo todas as marcas do guarda-chuva) quer ter uma cadeia de produção completamente sustentável. Laura conta que, só então, a marca pretende declarar seu apoio à causa ambiental.

Outras iniciativas como o Garment Collecting In Store – que consiste em reciclar roupas, utilizando uma cadeia sustentável – e a reparação de roupas nas lojas chamam a atenção porque demonstram primeiros grandes passos no caminho de uma fast fashion verdadeiramente moderna, com sua atenção voltada para o meio ambiente.

A Levi Strauss também apresentou iniciativas interessantes. A marca se comprometeu a reduzir o consumo hídrico de sua cadeia produtiva utilizando água reciclada e aderindo à Better Cotton Initiative (BCI) – uma organização que visa melhorar o desempenho socioambiental e o impacto do cultivo de algodão no mundo.

Segundo o livro Your Water Footprint, são necessários mais de 7.600 litros de água para fazer um único par de jeans. Considerando essa estatística, a Levi’s realizou um estudo que mostra que, para produzir um par de Levi’s 501, a empresa utiliza 2.835 litros de água. O resultado indica uma notável economia de água em relação às demais produções, mas indica também um longo caminho a ser percorrido na busca de processos ainda mais econômicos.

Entre muito do que os palestrantes falaram, uma palavra ganhou destaque absoluto. COLABORAÇÃO. Para que a sustentabilidade se torne mais substancial que um modismo qualquer no fast fashion, é necessário perseguir modelos de negócios mais colaborativos, especialmente no lado da cadeia de suprimentos. A boa notícia é que, nos bastidores, há empresas que estão cooperando de diversas formas há anos, impondo-se metas ambiciosas, mesmo percebendo que é preciso maior engajamento de mais empresas do setor.

Para Filippo, a sensação depois da palestra foi mista. De um lado, uma realidade assustadora que parece nos afundar na lama de uma indústria mórbida demais para se movimentar em outra direção. De outro, porém, vemos marcas se unindo, fazendo um grande esforço, com o propósito de reorientar o rumo das coisas.

A impressão que fica, segundo ele, é que estamos em um processo de aprendizagem que parece ser permanente, diferente de modismos. E que nunca é tarde demais, para recomeçar. Quem sabe?

Você também vai gostar

Já pensou em se inscrever na nossa newsletter ?

Prometemos que não lotaremos sua caixa de e-mail ;)